Ao mergulhar nas leituras deste 23º Domingo do Tempo Comum, surgiu em meu coração uma provocação: “Deus não existe”.
Sim, exatamente assim.
Se entendemos “existir” como algo limitado ao espaço, ao tempo, à matéria e à composição, então Deus não se encaixa nessa definição. Ele está além do tempo e do espaço. Antes mesmo que o universo fosse sonhado, Deus já era. O tempo não O domina; Ele é o Senhor do tempo.
Crer em Deus não é resultado de uma demonstração científica ou de uma dedução puramente humana, mas sim um dom gratuito que Ele mesmo nos concede pela ação do Espírito Santo:
“Deus, todavia, o revelou a nós por intermédio do Espírito! Porquanto o Espírito a tudo investiga, até mesmo as profundezas de Deus. Pois, quem conhece os pensamentos do ser humano, a não ser o espírito do homem que nele reside? Assim, igualmente ninguém conhece os pensamentos de Deus, a não ser o Espírito de Deus. Nós, entretanto, não recebemos o espírito do mundo, mas, sim, o Espírito que vem de Deus, a fim de que possamos compreender o que por Deus nos foi outorgado gratuitamente.” (1 Coríntios 2, 10-12)
Aqui está a chave: a Sabedoria que vem do alto é dom do Espírito, e só pode ser acolhida quando nos deixamos guiar por Ele. Santo Agostinho dizia que “a fé é crer naquilo que não se vê; a recompensa da fé é ver aquilo em que se creu”.
São Paulo continua lembrando que, sem o Espírito, o homem não consegue penetrar os mistérios de Deus:
“As pessoas que não têm o Espírito não aceitam as verdades que vêm do Espírito de Deus, pois lhes parecem absurdas; e não são capazes de compreendê-las, porquanto elas são discernidas espiritualmente.” (1 Coríntios 2, 14)
E o livro da Sabedoria confirma nossa limitação:
“Os pensamentos dos mortais são tímidos e nossas reflexões incertas, porque o corpo corruptível torna pesada a alma, e a tenda de argila oprime a mente que pensa. Mal podemos conhecer o que há na terra, e com muito custo compreendemos o que está ao alcance de nossas mãos; mas o que há nos céus, quem o investigará?” (Sabedoria 9, 14-16)
É significativo que a leitura traga a palavra Sabedoria com “S” maiúsculo: ela não é apenas uma qualidade, mas uma Pessoa. A Sabedoria é o próprio Cristo, que se revela e se entrega para nos abrir os segredos do Céu.
Por isso, o salmo nos recorda:
“Mil anos, diante de vós, são como o dia de ontem que já passou, como uma só vigília da noite.” (Salmo 89, 4)
Diante dessa eternidade, Jesus nos convida a dar um passo decisivo:
“Se alguém vem a mim e não desapega-se de seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs, e até da própria vida, não pode ser meu discípulo.” (Lucas 14, 26)
Esse “desapego” não significa desprezo, mas a consciência de que nada pode ocupar o lugar de Deus. Santo Inácio de Loyola nos lembra: “Devemos usar das coisas criadas tanto quanto nos ajudam a chegar ao nosso fim, e delas nos desfazer tanto quanto nos impedem.”
Um coração cheio de certezas humanas não consegue receber a novidade de Deus. Um copo cheio não pode conter nada novo; é preciso esvaziar-se para ser preenchido. É o caminho da humildade, da abertura, da escuta.
Assim, as leituras deste domingo nos convidam a reconhecer: Deus ultrapassa nossa lógica, mas se doa a nós na Sabedoria encarnada, Cristo. Cabe a nós esvaziar-nos de nossas seguranças para que Ele nos preencha com a sua verdade e vida.
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