“Cuidado para não vos pordes em luta contra Deus” (At 5,39)
No capítulo 5 dos Atos dos Apóstolos, Gamaliel — um fariseu respeitado, mestre da Lei e membro do Sinédrio — apresenta dois exemplos históricos de líderes que se proclamaram algo grandioso, mas cujos movimentos ruíram com o tempo: Teudas e Judas, o galileu. Ele adverte: “Se este projeto ou esta obra vem de Deus, não conseguireis destruí-los. Não aconteça que estejais combatendo contra Deus!” (At 5,39).
Teudas, “dado por Deus”?
O nome Teudas significa “dado por Deus”, e talvez por isso ele tenha se apresentado como profeta ou messias. O historiador judeu Flávio Josefo narra que Teudas convenceu uma multidão a segui-lo até o rio Jordão, prometendo abrir as águas com uma palavra, como Moisés outrora no Mar Vermelho. No entanto, sua revolta foi duramente esmagada pelo governador romano Cúspio Fado, e Teudas foi decapitado (cf. Antiguidades Judaicas, 20.97-98).
Teudas é um exemplo de como falsos profetas podem enganar muitos, mas acabam por cair, pois como diz Jesus: “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes” (Mt 7,15).
Judas, o galileu: pai do zelo, mas não da paz
Outro exemplo citado por Gamaliel é Judas, da Galileia, que liderou uma revolta contra o domínio romano, recusando-se a pagar tributos ao imperador. Segundo Josefo, ele, junto com o fariseu Zadoq, fundou o movimento dos zelotas, que mais tarde teria papel crucial na destruição de Jerusalém e do Templo em 70 d.C. (Antiguidades Judaicas, 18.1.1).
Judas proclamava que “servir a Deus” significava recusar toda submissão humana. A sua doutrina radical ganhou adeptos e deixou descendentes como Menahem e Eleazar, que voltaram à cena durante a Revolta Judaica de 66 d.C., armando-se em Massada e proclamando um reino messiânico, que terminou em tragédia e suicídio coletivo.
São João Paulo II nos alerta: “A verdadeira liberdade não consiste em fazer tudo o que se quer, mas em fazer o que se deve, com responsabilidade perante a verdade e o bem comum” (Veritatis Splendor, 35).
A ideologia de Judas não era baseada na paz do Reino de Deus, mas numa violência revolucionária.
O conselho de Gamaliel é um verdadeiro discernimento espiritual: aquilo que é apenas humano, cedo ou tarde, se desmorona. “Se for de origem humana, será destruído; mas se vem de Deus, não podereis destruí-lo” (At 5,38-39).
A história comprova isso: muitos movimentos nasceram sob gritos de libertação e promessas messiânicas, mas terminaram em ruína.
Por outro lado, a Igreja fundada por Cristo — “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18) — permanece há mais de dois milênios. Não por força humana, mas por promessa divina.
Como disse Santo Agostinho: “Muitas são as tempestades que a Igreja enfrentou. Mas ela permanece, porque tem como piloto Cristo e como vela o Espírito Santo.”
Obras humanas passam. Obras de Deus permanecem.
Até o faraó que acolheu José viu sua benevolência desaparecer com o tempo: “Levantou-se no Egito um novo rei, que não conhecia José” (Ex 1,8), e os israelitas passaram de honrados a escravizados. Tudo o que não é sustentado por Deus acaba virando poeira na história.
Como nos recorda o Salmo: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem”* (Sl 127,1). E Jesus mesmo afirma: “Toda planta que meu Pai celeste não plantou será arrancada” (Mt 15,13).
Mesmo quando a voz dos profetas é silenciada, Deus encontra uma maneira de falar: “Se eles se calarem, as pedras gritarão!” (Lc 19,40).
Portanto, que nossa esperança esteja firmada não em líderes carismáticos ou em ideologias humanas, mas em Cristo, o verdadeiro Messias, “autor e consumador da nossa fé” (Hb 12,2). Como exortou São João da Cruz: “Em tempos de confusão, apega-te mais à cruz de Cristo do que à sabedoria do mundo.”
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