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Lançai a rede

Voltemos nosso olhar para o capítulo 21 do Evangelho segundo São João (Jo 21,1-14), onde Cristo ressuscitado se manifesta pela terceira vez aos discípulos. Como é próprio do Evangelista, os detalhes aparentemente pequenos tornam-se portas para profundas revelações espirituais.

Já haviam encontrado o Ressuscitado duas vezes, a primeira sem Tomé. Os discípulos ainda estavam inquietos, mesmo com a confirmação da ressurreição, algo ainda lhes faltava. Em ambas as aparições anteriores, estavam trancados — uma imagem da alma que ainda não se lançou completamente à confiança no Cristo vivo.

A necessidade humana os obrigou a se mover, e saíram para pescar. A noite escura os envolve, não apenas fisicamente, mas também espiritualmente: o vazio, a dúvida e a ansiedade sobre o que viria a seguir. Como ensina Santo Agostinho, “a fé vacilante é como uma barca no mar agitado”. E nessa noite, nada pescaram.

Mas então, ao amanhecer, uma voz se faz ouvir da margem: “Lançai a rede à direita da barca e achareis” (Jo 21,6). Obedecem, e uma abundância inesperada de peixes confirma que não é uma voz qualquer. João, o discípulo do amor, que reconhece primeiro: “É o Senhor!”

Como disse São Gregório Magno: “Aquele que ama mais, vê mais”. João reconhece o Mestre, e Pedro, impulsivo e apaixonado, veste-se e se lança ao mar.

Ao chegarem à margem, veem que Jesus já preparara tudo: fogo aceso, peixe e pão. Cristo não apenas multiplica o fruto da nossa missão, mas também antecipa o cuidado, nos espera com alimento e acolhimento. Ele é o Pão da Vida (Jo 6,35) e o fogo que arde sem consumir (cf. Ex 3,2), que purifica e aquece os corações.

Jesus, vendo o produto da pesca, pede: “Trazei alguns dos peixes que apanhastes agora” (Jo 21,10) — como a dizer: “Oferece-me teus frutos, porque foram colhidos comigo e para mim.”

João destaca um número curioso: 153 grandes peixes. A tradição patrística, como Santo Jerônimo, vê nesse número o símbolo da totalidade das nações conhecidas na época, como quem diz: “Ide e fazei discípulos todos os povos” (Mt 28,19). E segundo a gematria hebraica, 153 é o valor de beni ha-Elohim, que significa “filhos de Deus”. Cristo, portanto, nos convida: “Buscai meus filhos e trazei-os a mim.”

E ainda mais admirável: “Apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu” (Jo 21,11). A rede é a Igreja, chamada a acolher todos sem se romper, sustentada pela força do Espírito Santo.

Jesus, então, os convida: “Vinde comer” (Jo 21,12). É a Eucaristia que alimenta e fortalece. É a Ceia preparada pelo Cordeiro, sinal de comunhão, de perdão, de envio.

Esse lago não era novo. Foi ali que Jesus chamara os primeiros discípulos. Agora, o chamado se renova. Mas há uma diferença essencial: Jesus não está mais na barca. Está à margem — não por distância, mas por missão. Ele agora está no Céu, em terra firme, enquanto a Igreja navega em meio às tempestades do mundo.

Como ensina São João Paulo II: “O Céu não é um lugar, mas um estado de comunhão plena com Deus.” É de lá que o Senhor nos acompanha, conduzindo a pesca, fortalecendo os braços cansados, mantendo firme a rede da Igreja.

Não desanime diante das noites sem peixe. Não perca a esperança quando a missão parecer infrutífera. O Ressuscitado está presente, e ao Seu tempo, nos revelará os frutos. Como nos diz Santa Teresa d’Ávila: “Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa. Deus não muda. A paciência tudo alcança.”

E se hoje você se sente como Pedro — vulnerável, arrependido, desejando recomeçar — então ouça o convite silencioso de Cristo: jogue-se na água. Não hesite em correr ao encontro d’Aquele que já preparou tudo para você.

É o Senhor! Ele está vivo, está à margem, nos espera e caminha conosco. Trabalhemos com confiança, porque Ele mesmo garante:
“Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20).

No Eco da Palavra, buscamos refletir sobre os detalhes das leituras diárias que podem passar despercebidos nas homilias. Cada versículo tem uma riqueza infinita, e aqui, ecoamos essas pequenas grandes revelações para alimentar a fé e aprofundar a vivência da Palavra de Deus no dia a dia.