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Em verdade em verdade vos digo

Judas Iscariotes e o Pão

Judas Iscariotes foi um dos Doze escolhidos por Jesus. Sim, um apóstolo.

Recebeu, das mãos do próprio Cristo, autoridade para curar, expulsar demônios e pregar o Reino de Deus (Mt 10,1-4). Andou com Jesus durante três anos. Viu milagres. Tocou o céu com as mãos. Proclamou a Boa Nova. Libertou pessoas. Viveu a intimidade com o Mestre.

Mesmo assim… caiu.

“Assim, aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia.” (1Cor 10,12)

Esse alerta de São Paulo não poderia ser mais atual. A história de Judas é uma advertência para todos nós: ninguém está isento da tentação. Estar perto de Jesus não basta; é preciso permanecer unido a Ele de coração.

No Evangelho de João, Jesus antecipa a traição durante a Última Ceia, ao dizer, comovido:  

“Em verdade, em verdade vos digo: um de vós me trairá.” (Jo 13,21)

Os discípulos se perturbam. Pedro acena a João, o discípulo amado, pedindo que pergunte quem seria o traidor. João — aquele que repousava a cabeça no peito de Jesus — ouve a resposta silenciosa, que vem em forma de gesto:

“É aquele a quem eu der o pedaço de pão molhado no prato.” (Jo 13,26)

Na cultura judaica da época, partilhar o pão era sinal de comunhão profunda. Dar o pão a alguém era sinal de honra. E foi justamente esse gesto de intimidade que revelou o traidor.

“Depois do pedaço de pão, Satanás entrou em Judas.” (Jo 13,27)

“Era noite.” (Jo 13,30)

Era noite — não apenas no céu, mas na alma de Judas. O Evangelho de João faz questão de marcar isso. A Luz estava ali, ao centro da mesa. E mesmo assim, Judas escolheu as trevas. Jesus sabia. Desde o princípio.  

“Não vos escolhi a vós, os Doze? Contudo, um de vós é um diabo.” (Jo 6,70)

Mesmo assim, amou até o fim. Não impediu Judas de segui-lo. De comer com Ele. De receber o pão.

“O amor não impõe, propõe. Deus respeita a liberdade, mesmo quando ela O fere.” — São João Paulo II

E quantas vezes nós também traímos Jesus? Quantas vezes colocamos nossos planos acima dos Dele? Quantas vezes buscamos servir, mas à nossa maneira, desconsiderando a vontade do Pai? Judas não foi movido apenas por ganância — ele acreditava estar fazendo o certo. Mas interpretou a missão de Jesus com olhos humanos, não com olhos de fé.

“Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus caminhos, diz o Senhor.” (Is 55,8)

O drama de Judas é o drama humano. Todos temos um pouco dele dentro de nós. Todos já sentamos à mesa da vida e ali nos dividimos entre o amor e a traição. João representa o discípulo que busca intimidade com Cristo, que repousa no seu Coração. Pedro representa o entusiasmo que, mesmo sincero, pode vacilar. E Judas… representa aquele que, mesmo na caminhada com Deus, permite que o coração se afaste.

“O maior mal não é o pecado cometido, mas o desespero que impede de voltar.” — Santa Faustina Kowalska

O que teria sido da história de Judas se ele tivesse, como Pedro, chorado e voltado?

E nós? Quem somos à mesa?

O discípulo amado, que busca com ternura e O escuta? O apóstolo da ternura, busca uma intimidade maior com o Cristo, debruçando-se sobre o seu peito, querendo ajudá-lo no que for preciso, seguindo-O até mesmo na dor, subindo ao Calvário com Ele.

O apóstolo impulsivo, que promete fidelidade, mas se deixa dominar pelo medo? Seríamos o apóstolo do rochedo? Que busca sempre estar a postos, servindo intensamente, até o seu limite, focado na emoção do momento, correndo o risco de cair no desespero quando algo foge do seu controle.

Ou o traidor silencioso, que se afasta aos poucos, mesmo estando perto? Aquele que se envolve com a causa, porém a interpreta com os olhares humanos, afasta o seu pensamento do pensamento de Deus, e põe os planos humanos na frente dos planos de Deus.

Na mesa da vida, Jesus nos oferece o pão. O mesmo pão.  

Cabe a nós decidirmos se ele será sinal de comunhão ou testemunho de traição.

“Senhor, que eu nunca me afaste de Ti. Ainda que eu tropece, que eu caia nos teus braços, e não nas trevas da noite.”

No Eco da Palavra, buscamos refletir sobre os detalhes das leituras diárias que podem passar despercebidos nas homilias. Cada versículo tem uma riqueza infinita, e aqui, ecoamos essas pequenas grandes revelações para alimentar a fé e aprofundar a vivência da Palavra de Deus no dia a dia.