Jesus disse aos escribas e fariseus: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (Jo 8,7).
Com essas palavras, o Senhor não apenas desmascarou a hipocrisia daqueles homens, mas revelou o íntimo de seus corações: eles não estavam verdadeiramente preocupados com a Lei ou com a justiça, mas sim em armar uma cilada contra Ele. Ao trazerem a mulher adúltera, queriam, na verdade, apedrejar o próprio Cristo.
A armadilha estava lançada: se Jesus poupasse a mulher, pareceria contrário à Lei de Moisés; se ordenasse que a apedrejassem, contrariaria sua própria mensagem de misericórdia. Mas o que os mestres da Lei não compreendiam é que Jesus é a própria Lei em sua plenitude e a misericórdia encarnada. Ele é o Justo Juiz.
“Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento” (Mt 5,17).
Ao declarar que somente quem estivesse sem pecado deveria atirar a primeira pedra, Jesus não nega a Lei, mas a ilumina com a verdade do Evangelho. Sua sentença revela que a justiça divina exige pureza também daquele que julga. Como diz São Paulo: “Tu que julgas, és indesculpável, pois julgas os outros e fazes as mesmas coisas” (Rm 2,1).
Não é justo que pecadores condenem outros pecadores. Jesus ecoa aquilo que Ele mesmo ensinaria mais adiante: “Tira primeiro a trave do teu olho, e então verás claramente para tirar o cisco do olho do teu irmão” (Mt 7,5).
Por isso, a fé cristã no juízo de Deus não é só causa de grande temor — “É terrível cair nas mãos do Deus vivo!” (Hb 10,31) — mas também a esperança de que seremos julgados por um Deus infinitamente bom, perfeito e justo. É a Ele, não aos homens, que deveremos prestar contas.
Ele, porém, não veio para condenar o mundo, mas para salvar as pessoas de seus pecados. São João Batista se refere a Ele como: “O Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29).
Em sua conversa com Nicodemos, Ele declara: “Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Por isso, à mulher pecadora Ele diz: “Nem eu te condeno” (Jo 8,11).
A misericórdia de Deus não é permissividade. Ele não faz acordo com o pecado, embora ame o pecador. E assim, completa: “Vai, e de agora em diante não peques mais” (Jo 8,11).
Santo Tomás de Aquino comenta esse episódio com profundidade:
“Havia duas coisas nesta mulher: a natureza e a culpa. O Senhor podia ter condenado ambas: a natureza, ordenando que fosse apedrejada, e a culpa, não a absolvendo. Podia também ter absolvido ambas, se concedesse à mulher licença para pecar, dizendo: ‘Vai e vive como quiseres, está segura da minha libertação. Não importa o quanto peques, eu também te livrarei das torturas da Geena e do Inferno’. Mas o Senhor, que não ama a culpa e não favorece o pecado, condenou a culpa, não a natureza, dizendo: ‘Não peques mais’, pelo que mostrou quão doce é pela mansidão e quão reto é pela verdade.”
Essa é a pedagogia divina: firme com o pecado, mas compassiva com o pecador. Essa mesma voz ressoa hoje também para nós: “Vai e não peques mais”. É um chamado constante — hoje, amanhã, a todo instante — porque Ele quer estar conosco sempre.
E é nos sacramentos, especialmente na Confissão e na Eucaristia, que essa misericórdia se manifesta de forma mais intensa. Ali, somos libertos da culpa e fortalecidos pela presença viva do Deus que não nos condena, mas nos transforma.
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