7º Domingo do Tempo Comum, Ano C
Nesta reflexão, gostaria de destacar as semelhanças entre Davi e Saul, assim como entre Caim e Abel.
Podemos considerar Davi e Saul quase como irmãos de missão, pois ambos foram ungidos por Deus como reis de Israel.
“Então Samuel tomou um frasco de óleo e o derramou sobre a cabeça de Saul, e disse: ‘O Senhor te ungiu como líder da sua herança’.” (1 Sm 10,1)
“Samuel tomou o chifre do óleo e ungiu Davi no meio de seus irmãos, e o Espírito do Senhor se apoderou de Davi daquele dia em diante.” (1 Sm 16, 13)
Na analogia entre os irmãos, Caim e Saul são os primogênitos que, em diferentes momentos, demonstraram potencial e receberam oportunidades de Deus. Já Abel e Davi foram aqueles que permaneceram fiéis ao Senhor.
No momento da obediência, em que deveriam oferecer louvores a Deus, Caim apresentou produtos da terra, não houve um esforço para se entregar o melhor que teria disponível, enquanto Abel entregou as primícias de seu trabalho com amor e fé. Deus se agradou mais da oferta de Abel, que demonstrou confiança na providência divina.
“Ao fim de algum tempo, Caim apresentou produtos da terra como oferta ao Senhor. Abel, por sua vez, ofereceu as primícias e a gordura dos seus rebanhos. O Senhor acolheu com agrado Abel e sua oferta, mas não acolheu Caim e sua oferta. Caim ficou muito irritado e seu rosto se transtornou.” (Gn 4, 3-5)
Aqui, é importante notar que Deus não rejeitou Caim como pessoa, mas sim sua atitude e intenção.
“Foi pela fé que Abel ofereceu a Deus um sacrifício superior ao de Caim, e por meio dela foi declarado justo.” (Hb 11, 4)
Saul, por sua vez, demonstrou coragem e liderança ao lutar contra os amonitas, mas desobedeceu à ordem de Deus ao oferecer sacrifícios de maneira imprópria, assim como Caim.
Samuel havia instruído Saul a esperar antes da batalha para que ele, como profeta, oferecesse os sacrifícios a Deus. No entanto, Saul ficou impaciente e realizou o sacrifício por conta própria, sem autoridade para isso.
“Samuel disse: ‘Agiste como tolo! Não obedeceste à ordem que o Senhor, teu Deus, te deu. Se tivesses obedecido, o Senhor teria estabelecido para sempre o teu reinado sobre Israel. Agora, porém, teu reinado não permanecerá’.” (1 Sm 13, 13-14)
E desobedeceu novamente ao não cumprir a ordem de destruir completamente os amalequitas.
“Samuel respondeu: ‘O que agrada mais ao Senhor: holocaustos e sacrifícios ou a obediência à Sua voz? Eis que obedecer é melhor que o sacrifício, e escutar é melhor que a gordura de carneiros. Pois a rebeldia é como o pecado da feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria. Porque rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou como rei’.” (1 Sm 15, 22-23)
Deus retirou Sua bênção de Saul e escolheu Davi para sucedê-lo, o que despertou nele um espírito de inveja.
“Saul se irritou profundamente com isso e ficou muito desgostoso. ‘A Davi deram dez milhares, mas a mim apenas milhares. Só falta agora darem-lhe o reino!’ E daquele dia em diante, Saul olhava para Davi com inveja.” (1 Sm 18, 8-9)
Assim como Caim tinha inveja de Abel, Saul nutria inveja em relação a Davi, um sentimento que o levou a desejar a morte do jovem.
Deus não deseja ver o declínio de seus filhos, advertiu a eles sobre seu ressentimento e os alertou para resistir ao pecado: Saul por Samuel e a Caim diretamente.
“O Senhor disse a Caim: ‘Por que estás irado e por que teu rosto está abatido? Se procederes bem, não serás aceito? Mas se não procederes bem, o pecado jaz à porta, e seu desejo será contra ti; mas cabe a ti dominá-lo’.” (Gn 4, 6-7)
Da mesma forma que Saul, que não deu ouvidos ao profeta Samuel. Caim também não atendeu a correção de Deus e, tomado pela inveja, matou Abel.
“Caim disse a seu irmão Abel: ‘Vamos ao campo’. Quando estavam no campo, Caim atacou seu irmão Abel e o matou.” (Gn 4, 8)
Saul, tomado pela inveja, tentou matar Davi diversas vezes, assim como Caim perseguiu Abel.
“Saul falou a seu filho Jônatas e a todos os seus servos sobre seu desejo de matar Davi.” (1 Sm 19, 1)
Saul buscava matar a Davi, mas a providência divina o protegia.
Em duas ocasiões, Davi teve a oportunidade de matar Saul e pôr fim à perseguição, mas resistiu ao desejo de vingança, demonstrando temor a Deus e misericórdia. Davi não optou entrar no caminho de Caim.
“Mas logo depois Davi sentiu o coração bater forte por ter cortado um pedaço do manto de Saul e disse a seus homens: ‘O Senhor me livre de fazer tal coisa ao meu senhor, de erguer a mão contra ele, pois é o ungido do Senhor’.” (1 Sm 24, 5-7)
“Davi disse a Abisai: ‘Não o mates! Quem pode levantar a mão contra o ungido do Senhor e ficar impune?’ ” (1 Sm 26, 9-11)
Davi acertou onde Caim errou. Davi escolheu o caminho da misericórdia, enquanto Caim errou ao agir impulsivamente.
Cristo nos ensina a sermos misericordiosos, assim como Davi foi com Saul (Lucas 6, 36). Em Romanos 12, 19, somos instruídos a não buscar vingança, mas a deixar a ira com Deus, pois Ele é o verdadeiro juiz. Davi, ao poupar Saul, entendeu que sua luta não era contra o homem, mas contra o pecado.
Esse ensinamento prefigura o que Cristo nos convida a fazer: agir com misericórdia, confiando que Deus governa a justiça.
“Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5, 7)
Davi nos ensina que a verdadeira força está na misericórdia e que, mesmo quando temos a vida de alguém cruel em nossas mãos, devemos confiar na justiça de Deus, como diz Provérbios 3, 34: “Deus resiste aos soberbos, mas concede graça aos humildes.”
A história de Saul e Davi nos revela uma narrativa sobre escolhas, misericórdia e transformação interior. Ambos foram ungidos por Deus, receberam bênçãos e autoridade, mas seguiram caminhos distintos. A escolha de Davi reflete um princípio profundo do Evangelho: quem age apenas por instintos busca vingança, enquanto quem renasce pelo Espírito é guiado por Cristo.
Na Primeira Carta aos Coríntios (15, 45-49), Paulo descreve essa transformação: “O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente; o último Adão, espírito vivificante.” Saul representa aqueles que, guiados por impulsos, rejeitam a voz de Deus e sucumbem ao orgulho, enquanto Davi prefigura o homem transformado pelo Espírito, que resiste à vingança e se rende à vontade divina.
Ao poupar Saul, Davi deu os primeiros passos para compreender a misericórdia que Cristo proclamaria. Ele não se deixou dominar pelos instintos terrenos, mas escolheu refletir a imagem do homem celestial. Assim como Davi, somos chamados a abandonar reações impulsivas e permitir que nossos passos sejam guiados por Cristo. “Agora, aqueles que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos” (Gálatas 5, 24).
Davi escolheu não ser Caim. E nós, em nossas vidas, que escolha faremos?
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